A tripla corda e a lista dos 407

Artigo de opinião – Pe. Arlindo Miguel

O relatório Stretch focou-nos no último mês na necessidade de apoio às vítimas de abuso sexual na Igreja Católica e na urgência de uma atitude vigorosa da parte da Conferência Episcopal Portuguesa.

A discussão poderia ter-se focado em 3 sujeitos de investigação: as vítimas, a CEP e o próprio relatório Stretch. A tripla corda poderia ter sido tocada harmoniosamente, para que a verdade e a justiça de uns, fosse a verdade e a justiça para todos.

O relatório Stretch é, por isso, a máquina de verdade, oVAR de si mesmo, onde podemos procurar outra vez a harmonia da tripla corda. Nessa máquina há, sobretudo, 3 questões que ainda não consigo passar.

A primeira.

O relatório Stretch contém 4 listas com 407 indivíduos, descritos como pessoas abusadoras, e que foram distribuídos por dioceses, congregações e obras, por estados clerical e laical, e por géneros masculino e feminino. Tecnicamente, deveria ter sido essa, a lista de 407 indivíduos, a ser entregue à CEP e à CIRP.

Foi entregue, no entanto, a lista de 100 nomes, com a qual se pretende, com toda a legitimidade, sancionar os infratores, e, justificar e ressarcir as vítimas.

Teria preferido que fosse entregue a lista dos 407 indivíduos, para que todos os infratores fossem sancionados e todas as vítimas fossem justificadas e ressarcidas.

Agora não tenho a certeza de que as páginas 385-388 existam. Se não existirem, poderão estar inocentescentenas de sacerdotes, vivos e mortos, e poderão ter sido validados erradamente centenas de testemunhos vivos.

 A segunda.

O relatório Stretch indica que 512 testemunhos vivos sabem localizar 407 pessoas abusadoras, por dioceses, congregações e obras, estados clerical e laical, géneros masculino e feminino, e, no entanto, apenas 46,7% conhece a pessoa abusadora.

Isto significa que 53,3% das vítimas não sabe quem são os abusadores, ou para ser correto, 46,3% não conhece a pessoa abusadora e o têm com ela qualquer relação anterior, e 9,0% não responde à pergunta, conforme a figura 46, da página 205.

A situação mais comum nos abusos sexuais é a existência de conhecimento e de relacionamento prévio, quefavoreçam a aproximação inicial e a continuidade do abuso.

Este argumento do relatório Stretch (cf. pág. 201) é o mesmo de Jean-Marc Sauvè, coordenador do relatório francês, ao dizer que “o abuso de poder e de consciência originou abuso sexual” (6.X.21).

O rapport Sauvè distribue desta forma as percentagens de conhecimento e de relação prévia das vítimas com as pessoas abusadoras: Lien éducatif 47%, Pastorale, chorale, confession, Entretien spirituel, retraite, etc 36%, Familleproche 17%, Aucun lien 0%.

O relatório francês deu 0% ao “não conhece”.

 A terceira.

A terceira questão prende-se com o simples somatório de “imensas, dezenas, centenas, de raparigas” – 200 pessoas, de “todo o colégio” – 100 pessoas, de “toda a freguesia” – 20 pessoas, de “toda a turma” – 15 pessoas, conforme a tabela 9, da página 201.  

Não conseguindo compreender o simples somatório, tive o cuidado de dar a ler a tabela a trinta pessoas, algumas delas profissionais dessas áreas, noutras épocas. Todas, sem exceção, apesar de reconhecerem a pouca sensibilização para estas matérias, suspeitaram da sua possibilidade.

 Termino.

Esperava mais da CEP?! Sim! Esperava mais rapidez e melhor decisão.

Esperava mais do relatório? Sim! Esperava um relatório muito mais objetivo, que deixasse margem para dúvidaspequenas. E não foi isso que aconteceu.

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