Sé de Santarém, Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, Dia Mundial da Paz
Irmãos e irmãs
Hoje, dia em que se cruzam milhões de mensagens com desejos e votos de paz e prosperidade para o novo ano, na Liturgia da Igreja em contexto de Natal, celebramos a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Como acabámos de escutar do Evangelho de São Lucas (2,16-21), Maria guardava em seu coração aquilo que ouvia contar dos pastores de Belém acerca do Menino. É oportuno e enriquecedor lembrar o comentário do Papa Bento XVI: “Nestes dias de festa, detivemo-nos a contemplar no presépio, a representação da Natividade. No centro dessa cena encontramos a Virgem Maria, que oferece o Menino Jesus à contemplação de quantos vão adorar o Salvador: os pastores, os pobres de Belém, os Magos vindos oriente. Mais tarde, na festa da ‘Apresentação do Senhor’, que celebramos a 2 de fevereiro, serão o velho Simeão e a profetiza Ana a receber das mãos daMãe o pequeno Menino e a adorá-lo. A devoção do povo cristão sempre considerou o nascimento de Jesus e a divina maternidade de Maria dois aspetos do mesmo mistério da encarnação do Verbo divino e, por isso, nunca considerou a Natividade uma coisa do passado. Nós somos contemporâneos dos pastores, dos Magos, de Simeão e de Ana, e, enquanto caminhamos com eles, estamos cheios de alegria, porque Deus quis ser o Deus connosco e tem uma Mãe, que também é nossa” (in A Alegria da Fé, Paulinas, 2013, p. 96/7).
Entretanto, este 1º dia do Ano, é também na Igreja o “Dia Mundial da Paz”. É a mensagem da 1ª Leitura que ouvimos (Núm. 6,22-27): Deus quer os seus filhos de coração preparado para acolher a sua Bênção de Paz. A paz que é Bênção e graça espiritual no coração humano, não significa quietude distante. Supõe capacidade operativa e todo o interesse pela edificação de uma sociedade mais justa e pacífica.
Refletindo sobre o tema da paz, o Papa Francisco publicou, para este dia, a sua mensagem com o tema: “Ninguém pode salvar-se sozinho”, na qual nos interpela considerando a vida em sociedade nos últimos três anos: “O que aprendemos com a situação da pandemia? Quais são os novos caminhos que deveremos empreender para romper com as correntes dos nossos velhos hábitos, estar melhor preparados, e ousar a novidade? Que sinais de vida e esperança podemos enunciar para avançar e procurar tornar melhor o nosso mundo?”
Na verdade, em tempo de pandemia sentimos a vida em risco e foi manifesta a força de solidariedade de muitas pessoas a trabalhar para cuidar e salvar a vida a muitas outras pessoas. Ao mais alto nível houve sinais de solidariedade entre nações e instituições. Com esta experiência, aprendemos com evidência: precisamos uns dos outros, nascemos para estar e viver uns com os outros e uns para os outros.
Entretanto, surgiu a guerra na Ucrânia. Escreveu o Papa Francisco na sua Mensagem: “Não era esta, sem dúvida, a estação pós-covid que esperávamos ou por que ansiávamos. Na realidade, esta guerra, juntamente com todos os outros conflitos espalhados pelo globo, representa uma derrota não apenas para as partes diretamente envolvidas mas também para a humanidade inteira”.
Continuando, o Papa Francisco exorta-nos à conversão do coração, a combater o “vírus da desigualdade” e a promovermos a paz concretizando ações de solidariedade, “especialmente em favor dos migrantes e daqueles que vivem como descartados nas nossas sociedades”.
Irmãos e irmãs, é necessário superar o individualismo que caracteriza a cultura da nossa sociedade e promover a consciência da nossa vocação social. Vivemos num ambiente dominado pela competitividade em que falha o sentido do bem comum. A quem cabe a responsabilidade de pensar a sociedade como um todo? Que colaboração cada pessoa pode e deve dar para o bem comum do futuro da sociedade? Ninguém nasce ensinado, todos necessitamos de educação para vivermos em sociedade e sonharmos um mundo novo, mais humano. A competitividade como único critério de vida, não assegura o bem comum da sociedade e, por isso, aumenta o número de pessoas pobres e das que desistem de lutar por um lugar na sociedade; outras enveredam pela criminalidade.
A Virgem Maria era uma mulher pobre, humilde, confiante e com objetivos de vida. Porque era crente e corajosa, manifestou disponibilidade para colaborar com a vontade de Deus em nascer no mundo e dar início aos tempos messiânicos. O desafio continua. E continuam a existir também perturbações sociais que nos levam a recorrer a Nossa Senhora, Santa Maria Mãe de Deus e nossa Mãe. A ela recorrem povos do mundo inteiro a suplicar a sua intercessão e refugio materno no meio das mais diversas dificuldades. Também na Ucrânia, a par da progressão da guerra, muitos ucranianos quiseram manifestar a sua confiança e mostrar a sua união com a presença da Imagem de Nossa Senhora. Em Portugal, no tempo da 1ª guerra mundial e para incómodo do poder instalado, Nossa Senhora surge com uma mensagem, uma indicação de caminho de fé, de encontro com Deus e de iluminação da vida, como afirmou o Papa Bento XVI:
“Deus deu-nos um sinal no séc. XX. No nosso racionalismo, e perante o poder das ditaduras em ascensão, Ele mostra-nos a humildade da Mãe, aparece a crianças pequenas a falar da Fé, Esperança, Amor e Penitência.
É assim que eu compreendo que os homens encontrem aqui, por assim dizer, uma janela. Em Fátima vi 100 000 pessoas que, através da mensagem de Maria aos pastorinhos, voltam a ganhar de certa maneira neste mundo, com todos os seus fechos e trancas, a fé em Deus”(…). O sofrimento da Igreja permanece, a ameaça dos homens permanece, e com isso permanece também a indicação que Maria nos deu. Também agora na aflição. Também agora é necessária, por isso, a resposta de que falou às crianças a Mãe de Deus”. (Luz do Mundo – O Papa e os Sinais dos Tempos, Lucerna, Cascais, 2010, p. 158/9).
Irmãos e irmãs, como ensina São Paulo aos Gálatas (4,4-7) e a nós: “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama em nossos corações: Abbá! Pai! Assim, já não és escravo, mas filho. E, se és filho, também és herdeiro, por graça de Deus”.
Com esta herança espiritual, acolhendo os ensinamentos da Mãe de Deus, sendo fiéis à oração e rogando como São Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz”, estaremos mais disponíveis e preparados para edificarmos a paz e participarmos daquela felicidade proclamada no Evangelho: “Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).
A Mãe de Deus, Rainha da paz, nos acompanha com seu Coração Imaculado!
+ José Traquina