Exmo. Senhor Núncio Apostólico, Senhores Cardeais, Arcebispos, Bispos, Administradores Diocesanos e convidados da CIRP e da CNISP. A todos saúdo cordialmente e dou as boas-vindas a esta 206.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Saúdo igualmente, com apreço e estima, os representantes dos órgãos de comunicação que nos acompanham e são um elemento essencial no diálogo da Igreja com a sociedade.
EM TEMPO DE PÁSCOA
É em tempo de Páscoa que celebramos esta Assembleia Geral CEP; um tempo que nos faz tomar consciência do mal e dos sofrimentos por ele causados, mas igualmente da esperança, dos esforços generosos e do dom criativo do Espírito do Senhor ressuscitado, que torna sempre possível encontrar caminhos novos, mesmo através da destruição, da guerra, do sofrimento de todo o género e da morte. É a essa luz renovadora que menciono alguns dos acontecimentos principais da vida da Igreja, nos últimos meses.
Recordo, com gratidão e esperança, a conclusão do percurso de vida e de serviço ao Evangelho do Papa Bento XVI (31-12-2022), que ele explicitou com o testemunho da sua vida e do seu pensamento teológico, buscando o ideal da racionalidade da fé e da afirmação da razão crente. O seu serviço, na continuação do ministério de Pedro, embora não tenha sido particularmente longo, deixa a toda a Igreja uma herança luminosa e um válido desafio de coerência, de fé e de amor para a edificação da Igreja, no mundo em mudança rápida e radical.
Saúdo igualmente com alegria os 10 anos do ministério do Papa Francisco, iniciado a 13-03-2013, que não tem deixado de desafiar a Igreja a tomar consciência das suas raízes no discipulado de Jesus de Nazaré e no dom da Sua morte e ressurreição, deixando-se renovar pelo Seu Espírito e aprofundando os rumos propostos pelo Concílio Vaticano II.
Mais entre nós, na Igreja em Portugal, saudamos o início do ministério de D. Armando Esteves Domingues (15-01-2023) como Bispo de Angra, desejando-lhe a assistência do Espírito do Senhor e a participação ativa do povo de Deus no caminho sinodal que estamos a percorrer como Igreja, em cada uma das suas células vivas que são as Igrejas locais. Acompanhamos também com fraterna congratulação, a nomeação do Cardeal D. António Augusto Santos Marto como membro do Dicastério para as Causas dos Santos (15-02-2023) e a eleição de D. Nuno Brás como Vice-Presidente da COMECE (Comissão dos Episcopados da União Europeia). Saudamos, de igual modo, com alegria e esperança, a nomeação da Senhora Reitora da Universidade Católica Portuguesa (UCP) – Isabel Maria de Oliveira Capeloa Gil – como consultora do Dicastério para a Cultura e Educação para toda a Igreja (18-02-2023).
O DRAMA DOS ABUSOS DE MENORES E ADULTOS VULNERÁVEIS
É igualmente a esta mesma luz pascal que encaramos a realidade dos abusos sobre menores no seio da Igreja Católica em Portugal, que marcou os últimos meses e que tem vindo a despertar, com crescente intensidade, uma renovada consciência pública sobre a gravidade deste crime, em Portugal e no mundo, na Igreja e na sociedade, em geral.
No momento doloroso, mas também de purificação e conversão em que agora nos encontramos, continuamos apostados no caminho que a Igreja tem vindo a percorrer para que os ambientes eclesiais sejam cada vez mais seguros para as crianças, jovens e adultos vulneráveis, e para que os crimes cometidos no passado possam ser reparados, na medida do possível, e não voltem a acontecer.
Por decisão desta Assembleia Plenária, e em complementaridade com o trabalho que já vinha a ser desenvolvido pelas Comissões Diocesanas, foi criada, em dezembro de 2021, uma Comissão Independente(CI) para estudar este tipo de abusos na Igreja Católica em Portugal, desde 1950 até ao presente. O Relatório Final da CI, apresentado no passado mês de fevereiro, permitiu aprofundar o conhecimento dramático desta realidade e as consequências devastadoras que tais crimes tiveram na vida de tantas crianças. Foi em atenção a essas vítimas, antes de mais, que não nos resignámos a procedimentos do passado, nem a atitudes de conivência e silenciamento, procurando encarar estes dramas, com realismo e esperança. Nunca é demais renovar o pedido de perdão e o sentimento de profunda gratidão para com todos os que deram “voz ao silêncio” e tiveram a coragem de denunciar aquilo que nunca lhes deveria ter acontecido. Semelhante reconhecimento dirige-se também aos membros da CI, pelo contributo decisivo que deram para o conhecimento e denúncia destas situações.
Reconhecer, pedir perdão e agradecer só têm sentido na medida em que são acompanhados de decisões e ações concretas para transformar a realidade. Por isso, prosseguindo as linhas de ação que definimos na Assembleia Plenária extraordinária do passado dia 3 de março, temos vindo a analisar e a integrar as recomendações resultantes do estudo da CI, em articulação com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas (ECN).
Na sequência dos dados fornecidos pela publicação do estudo da CI e das informações posteriormente fornecidas pelos membros desta Comissão, foram tomadas, pelas diferentes dioceses, medidas cautelares provisórias de afastamento de funções de pessoas mencionadas no estudo realizado. Tais medidas não significam qualquer atribuição de culpa e têm de ser seguidas de ulterior processo de investigação a fim de apurar a realidade e eventual responsabilidade dos factos concretos. Até lá, ninguém pode ser considerado culpado.
Para acolher e acompanhar de perto as vítimas de abusos ocorridos em ambientes da Igreja, encontra-se em fase de organização, em ordem à sua aprovação e entrada em vigor, um Grupo de Acompanhamento, segundo as orientações dadas pela Assembleia Extraordinária de 3 de março. Este Grupo deverá ter a autonomia necessária para acolher e acompanhar as vítimas e para assegurar o necessário apoio e a possível recuperação dos danos por estas sofridos, dispondo de uma linha de atendimento e de condições para o contato e acompanhamento pessoal. Estará também articulado com a Equipa de Coordenação Nacional e as Comissões Diocesanas, de modo a garantir a sua real operacionalidade, que implica necessariamente cada Diocese e a Igreja em Portugal no seu conjunto. Nesta Assembleia, será analisada e votada a constituição e o projeto deste Grupo, que deverá estar a funcionar nas próximas semanas.
O caminho para a implementação de uma verdadeira cultura de proteção e cuidado dos mais frágeis, na Igreja e na sociedade, exige medidas concretas de proteção e formação. Nesse âmbito, as orientações da última Assembleia, que estão a ser concretamente planeadas, preveem, entre outras medidas, a formação de todas as pessoas – clérigos e leigos – responsáveis pelo acompanhamento de pessoas menores ou fragilizadas, bem como a revisão dos programas de formação dos seminários (Ratio Formationis). É igualmente importante a colaboração da Igreja com as instituições civis, nomeadamente as que desenvolvem a sua ação na proteção dos menores. Comprometidos que estamos em erradicar os abusos sexuais no seio da Igreja, queremos ser igualmente parte ativa na resolução deste drama, que se encontra transversalmente presente nos diversos quadrantes da sociedade.
Este tem sido um percurso doloroso para todos, particularmente para os membros do clero, feito de quedas e espinhos, mas estamos unidos à cruz redentora de Jesus para, com Ele, assumirmos as nossas fragilidades e os erros do passado e nos deixarmos iluminar pela Sua luz pascal que transforma todas as realidades e renova a Sua Igreja. É com esta esperança que celebraremos, na próxima quinta-feira, uma jornada nacional de oração pelas vítimas de abusos sexuais, de poder e de consciência na Igreja, e para a qual peço a todo o clero e fiéis que se unam à Eucaristia que os bispos celebrarão por esta intenção na Basílica da Santíssima Trindade às 11 horas desse dia.
POR UMA IGREJA SINODAL
Sem dúvida que a questão dos abusos revela uma mudança dentro da Igreja, de acordo com aquilo que é a sua identidade e a sua missão, cientes de que vivemos realmente um ponto de viragem na História, um tempo do Espírito, que é a fonte de transformação. É isso que chamamos “Sinodalidade”: viver a Igreja como ela é, nas suas diferenças e nos seus ritmos próprios, sem dispensar ninguém, mas fazendo caminho em conjunto, como família, cuidando de todos, com especial atenção aos mais frágeis.
Por isso, continuamos comprometidos com uma Igreja mais sinodal, num percurso que pretende envolver todos os cristãos, nas paróquias, dioceses, conferências episcopais e assembleias continentais, a caminho da assembleia do Sínodo de Bispos e leigos de todo o mundo, que terá lugar no próximo mês de outubro, em Roma.
A Igreja em Portugal participou na etapa continental europeia, realizada em Praga, de 6 a 12 de fevereiro último, assumindo-se como parte da Igreja na Europa, com o seu passado decisivamente marcado pelas suas raízes cristãs e profundamente confrontado com os novos desafios da atualidade. Uma Igreja que se exprime na diversidade da história e das tradições de cada um dos seus povos e culturas; no contributo e especificidade da imigração que traz novos elementos culturais e coloca questões novas a todos os níveis; na mudança do papel da Igreja na sociedade, marcada nomeadamente pela indiferença e a secularização.
O discernimento da Assembleia europeia sublinha igualmente elementos portadores de esperança: a vontade, claramente expressa, de combinar a diversidade com a unidade; a transformação missionária da Igreja e a busca de novos caminhos de presença e de anúncio do Evangelho; o diálogo sobre as grandes e novas questões da humanidade, nomeadamente na busca de respostas para a emergência climática, os avanços da ciência e da tecnologia, a vitória sobre a miséria e a guerra. Na sinodalidade ninguém se pode fechar em si mesmo; os problemas de cada um e de cada povo tornam-se questões de todos.
Sinodalidade concreta é também esta Assembleia Episcopal e especificamente a eleição dos seus órgãos colegiais de coordenação e direção, que terá lugar durante esta 206.ª Assembleia. Não temos listas de candidatos, pois não é esse o espírito, nem a tradição. Segundo os estatutos, as eleições são sempre livres, contando com o discernimento de cada um dos participantes, para o melhor bem da Igreja. Espera-se que os escolhidos aceitem os cargos para que forem eleitos, a não ser que qualquer razão grave seja apresentada.
JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ Lisboa 2023) está na fase final e determinante de preparação e afirmação. A importância deste acontecimento, de proporções nunca atingidas no nosso país, cedo agregaram a adesão da Igreja, das autoridades e entidades públicas e privadas. O surgir de polémicas e discrepâncias de pontos de vista deve conduzir à melhoria dos projetos em curso. Por isso, é de realçar a vontade de esclarecer e responder com clareza às questões que surgem, sem deixar de se concentrar nos objetivos pelos quais foi aceite este desafio.
Certamente que há ainda muito trabalho a fazer e soluções a procurar e ajustar, mas é igualmente motivo de esperança verificar a crescente adesão dos jovens, tanto a nível internacional, como a nível da Igreja em Portugal e de muitas instituições oficiais e da sociedade civil. É de realçar, a este respeito, o número de inscrições de jovens para participar e para o voluntariado, bem como de famílias e entidades dispostas a colaborar, como voluntários, na organização deste grande evento e a acolher os jovens peregrinos. Igualmente significativa tem sido a adesão dos jovens e das entidades públicas à peregrinação dos símbolos das jornadas pelas dioceses. Esperamos muito que este movimento seja sinal daquilo que de válido ficará, na Igreja, após a realização da JMJ em Lisboa. Para isso continuamos a trabalhar, a fim de que o acolhimento humano e a festa da Jornada representem, sobretudo para os jovens, uma experiência determinante nas sua vidas, de fraternidade, de ultrapassagem de fronteiras, conflitos e guerras, em ordem a um mundo mais justo e mais reconciliado nesta terra e em toda a humanidade.
SINAIS DE PREOCUPAÇÃO E DE ESPERANÇA
Além dos assuntos que já mencionei, a Assembleia que agora começa terá ainda em consideração questão cruciais que são objeto de grande preocupação, tanto a nível nacional como internacional. Sem dúvida que a guerra que há mais de um ano grassa perto de nós, causada pela invasão da Ucrânia, constitui uma das maiores preocupações do momento. A enorme perda de vidas humanas, onde se incluem milhares de civis, muitos dos quais crianças; a destruição intencional de meios de habitação e de vida que sustentam populações inteiras e causam o êxodo forçado de milhões de inocentes, formam um cenário bárbaro que julgávamos ultrapassado no nosso continente e que apela à nossa solidariedade e à nossa oração e ação solidária pela paz, com justiça e dignidade para todos.
As consequências deste e de outros conflitosespalhados pelo mundo têm um efeito devastador a nível mundial, agravando a situação já ameaçadora da deriva climática e figuram como uma das principais razões da atual crise económica, que atinge particularmente as populações mais desfavorecidas e faz aumentar dramaticamente as vagas de migrantes em busca de segurança elementar de sobrevivência física e económica que garantam o futuro das próprias famílias.
Em comunhão com o Papa Francisco, acreditamos que, em cada tempo, a paz é possível e juntamo-nos ao seu apelo, em atitude orante e solidária, para ajudar as vítimas dos conflitos e para inspirar mediações na comunidade internacional, nomeadamente junto das organizações empenhadas na convivência entre nações e na igualdade entre povos.
Também no nosso país, sentimos os efeitos desta crise que se adensa sobre a vida de uma grande parte de famílias e se reflete na dificuldade de acesso aos meios elementares de vida, como a alimentação, a habitação e a saúde, para além de aumentar a tensão social. São de louvar todos os esforços que vão ao encontro dos mais frágeis, tanto por parte do Governo, como de entidades públicas e privadas, entre os quais muitas paróquias e outras instituições da Igreja. Para além da legítima afirmação de diversidade de soluções para os problemas, a sociedade precisa igualmente que se busquem caminhos com um horizonte temporal que vá para além do imediato e que possam capacitar as pessoas com menos recursos individuais, sociais e financeiros. A ajuda de emergência é fundamental e a Igreja sabe bem disso, mas é preciso ousadia, coragem e rasgo para equacionar soluções de médio e longo prazo, que mitiguem a vulnerabilidade e a exposição a fatores conjunturais que penalizam sempre os mais pobres.
É neste contexto de justificada preocupação e de esperança ativa que se insere esta nossa Assembleia, reafirmando a disponibilidade da Igreja em Portugal para estar presente e solidária, ao lado de quem mais precisa, segundo o espírito da Páscoa que estamos a viver.
Fátima, 17 de abril de 2023