«Os Salmos ajudam a tornar a oração menos egocêntrica», afirma o Papa

Em nova catequese sobre «O Espírito Santo e a Esposa», na preparação do Jubileu 2025, o Papa Francisco recuperou a importância da oração dos salmos “rezados por Jesus, Maria e os Apóstolos”, e apelidou-os de “sinfonia” do Espírito Santo para louvor de Deus

Leia, na íntegra, a reflexão do Santo Padre

[O texto a seguir também incorpora partes não lidas que são consideradas pronunciadas]

Catequese – “O Espírito e a Esposa. O Espírito Santo guia o Povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança.”

4. O Espírito ensina a Esposa a orar. Os Salmos, uma sinfonia de oração na Bíblia

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Na preparação para o próximo Jubileu, convidei-vos a dedicar o ano de 2024 “a uma grande ‘sinfonia’ de oração”[1]. Com a catequese de hoje, gostaria de recordar-vos que a Igreja já tem uma sinfonia de oração cujo compositor é o Espírito Santo, e é o Livro dos Salmos.

Como em todas as sinfonias, nela existem vários “movimentos”, ou seja, vários tipos de oração: louvor, ação de graças, súplica, lamento, narração, reflexão de sabedoria e outras, tanto em forma pessoal como em forma coral de todo o povo. Estes são os cantos que o próprio Espírito colocou nos lábios da Esposa, a sua Igreja. Todos os livros da Bíblia, como recordei da última vez, são inspirados pelo Espírito Santo, mas o Livro dos Salmos também é inspirado no sentido de que está cheio de inspiração poética.

Os salmos ocuparam um lugar privilegiado no Novo Testamento. Na verdade, houve e continua a haver edições contendo o Novo Testamento e os Salmos em conjunto. Tenho sobre a minha mesa uma edição ucraniana, que me enviaram, deste Novo Testamento com os Salmos; pertencia a um soldado que morreu na guerra. E ele orou na frente de batalha com este livro.

Nem todos os salmos – e nem tudo em cada salmo – pode ser repetido e tornado seu pelos cristãos e menos ainda pelos seres humanos modernos. Às vezes reflectem uma situação histórica e uma mentalidade religiosa que já não são as nossas. Isto não significa que não sejam inspirados, mas que em certos aspetos estão ligados a um tempo e a uma fase provisória da revelação, como também é o caso de grande parte da legislação antiga.

O nosso maior reconhecimento sobre os salmos vem do facto destes terem sido a oração de Jesus, de Maria, dos Apóstolos e de todas as gerações cristãs que nos precederam. Quando os recitamos, Deus escuta-os com aquela grande “orquestração” que é a comunhão dos santos. Jesus, segundo a Carta aos Hebreus, entra no mundo com um versículo de um salmo no coração: «Eis que venho, ó Deus, para fazer a vossa vontade» (cf. Hb 10, 7; Sl 40, 9) ; e deixa o mundo, segundo o Evangelho de Lucas, com outro versículo nos lábios: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46; cf. Sl 31,6).

O uso dos salmos no Novo Testamento é seguido pelo dos Padres e de toda a Igreja, o que os torna um elemento fixo na celebração da Missa e da Liturgia das Horas. «Toda a divina Sagrada Escritura exala a bondade de Deus – escreve Santo Ambrósio –, mas sobretudo o doce livro dos salmos»[2]. O doce livro dos salmos. Pergunto-me: rezais, por vezes, com os salmos? Pegai na Bíblia ou no Novo Testamento e rezem um salmo. Por exemplo, quando estais um pouco tristes porque pecastes rezais, por exemplo, o salmo 51? Existem muitos salmos que nos ajudam a avançar. Adquiri o hábito de orar os salmos. Garanto que no final sereis felizes.

Mas não podemos viver apenas da herança do passado: é necessário que façamos dos salmos a nossa oração. Está escrito que, num certo sentido, devemos tornar-nos nós próprios “autores” dos salmos, tornando-os nossos e rezando com eles[3] [3]. Se existem alguns salmos, ou simplesmente versículos, que falam ao nosso coração, é bom repeti-los e rezar durante o dia. Os salmos são orações “para todos os tempos”: não há disposição nem necessidade que não encontre neles as melhores palavras para oas transformar em oração. Ao contrário de todas as outras orações, os salmos não perdem a sua eficácia ao repeti-los; pelo contrário, aumentam-na. Porquê? Porque são inspirados por Deus e “expiram” Deus, cada vez que são lidos com fé.

Se nos sentimos oprimidos pelo remorso e pela culpa, porque somos pecadores, podemos repetir com David: «Tem misericórdia de mim, ó Deus, no teu amor; / na tua grande misericórdia» (Sl 51,3), o Salmo 51. Se quisermos expressar um forte vínculo pessoal com Deus, dizemos: «Ó Deus, Tu és o meu Deus;/ É a ti que eu procuro desde a aurora/; A minha alma tem sede de ti/; O meu ser anseia por ti, como terra seca e cansada, sem água», Salmo 63 (Sl 63,2). Não é por acaso que a liturgia incluiu este salmo nas laudes dos Domingos e das Solenidades. E se o medo e a angústia nos assaltam, vêm em nosso auxílio aquelas palavras maravilhosas do Salmo 23: «O Senhor é o meu pastor […]. Ainda que eu passe por um vale escuro, / não temo mal algum» (Sl 23:1.4).

Os salmos permitem-nos não empobrecer a nossa oração, reduzindo-a apenas a pedidos, a um contínuo “dá-me, dá-nos…”. Aprendemos com o Pai Nosso, que antes de pedir o “pão nosso de cada dia” dizemos: “Santificado seja o teu nome, venha o teu reino, seja feita a tua vontade”. Os salmos ajudam-nos a abrirmo-nos a uma oração menos egocêntrica: uma oração de louvor, de bênção, de ação de graças; e também nos ajudam a ser a voz de toda a criação, tornando-a participante do nosso louvor.

Irmãos e irmãs, o Espírito Santo, que deu à Igreja Esposa as palavras para rezar ao seu divino Esposo, nos ajude a fazê-las ressoar hoje na Igreja e a fazer deste ano preparatório para o Jubileu uma verdadeira sinfonia de oração. Obrigado!

[1] Carta a S.E. Mons. Fisichella para o Jubileu 2025 (11 de fevereiro de 2022).

[2] Comentários sobre os Salmos I, 4, 7: CSEL 64,4-7.

[3] Giovanni Cassiano, Conlationes, X,11: SCh 54, 92-93.

Imagem: Educris

Tradução Educris a partir do original em Italiano

19.06.2024

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